– Não adianta tentar explicar assim em palavras.
– Tá, tudo bem, não interessa mais mesmo.
Ela sabia que era assim que conseguia qualquer coisa de mim.
– Tá, tira o fone de ouvido.
– Mas tá baixinho, consigo te ouvir numa boa.
Ela não queria interromper o Tom Waits escorregando em seus ouvidos. Começou a chover torrencialmente, cães e gatos, cântaros, um toró. Fiquei pensando na cidade inundando. Ia ser uma trabalheira chegar em casa.
Vontade de encharcar a alma.
– Olha, vamos ver se você entende assim!
Peguei ela pela mão e arrastei até o meio da praça, saímos debaixo da proteção, a chuva invadindo as roupas, molhando os cabelos, um raio iluminou tudo, o clarão pintando o mundo inteiro de branco por menos de um segundo. Comecei a gritar, eu dançava com os braços pra cima, uma dança da chuva pra trazer mais chuva.
– Que merda que não dá pra tomar banho de chuva e fumar um cigarro ao mesmo tempo!
Eu gritei, mas não sabia se ela conseguia ouvir. Eu mal podia ouvir a minha voz. Então comecei “you know the day, destroys the night, night divides the day, tried to run, tried to hide”, eu era a chuva, eu era Thor, Chaac, Zeus, Tláloc, porra, eu era o próprio Tupã personificado deixando a chuva dançar sobre mim. Tirei a camisa que parecia pesar uns dez quilos e fiquei rodando por sobre a cabeça “break on through to the other side…”
Quando abri os olhos ela tava lá. Parada.
– Seu filho da puta, estragou o mp3 player.
Nesse momento a marquise onde estávamos antes da chuva desabou com um estrondo, o concreto se despedaçando pelo chão.
Ela me olhou com espanto.
Tinha tanta coisa que eu podia dizer naquele momento.
– Tá, vou nessa.
Apenas fui embora.